A proposta de Orçamento do Estado para 2010, entregue ontem já noite dentro na Assembleia da República, tenta fazer jus à expressão ‘quadratura do círculo’.
José Sócrates e Teixeira dos Santos não imaginariam, ainda há poucas semanas, as exigências e as limitações que lhes seriam impostas na preparação das contas do Estado - e das respectivas opções e prioridade políticas - para este ano. Por razões de política interna e de avaliação económico-financeira externa, o mais negociado e, provavelmente, mais escrutinado dos orçamentos de Sócrates vai ter de provar estar à altura dos desafios que o país precisa de enfrentar, e ganhar.
A proposta de orçamento carece de uma análise mais profunda, e consistente, nos próximos dias, desde logo porque a entrega do documento e a respectiva conferência de imprensa foram servidas à hora da ceia. É, no entanto, possível fazer uma primeira análise ao orçamento de 2010, uma espécie de ‘ano zero' da economia e finanças públicas de Portugal após a ressaca da crise financeira e da severa recessão económica que afectou o país em finais de 2008 e ao longo de 2009. Porque, hoje, há um caso-grego e Portugal não pode ficar colado à situação daquele país, sob pena de não haver orçamento que aguente.
As metas fixadas nesta proposta de orçamento, percebe-se, têm o objectivo de mostrar que Portugal está em linha com a situação financeira e económica dos países do euro, como sucedeu já em 2009. Sócrates quer ficar, nesta fotografia, a meio do pelotão da moeda única, para salvaguardar a posição do país em termos externos.
Em primeiro lugar, o cenário macroeconómico que está subjacente à elaboração do orçamento parece ser realista. Depois de uma recessão económica de 2,6% em 2009, não seria admissível, e ninguém acreditaria, num crescimento económico vigoroso, até porque os principais parceiros comerciais de Portugal não vão apresentar expansões significativas da riqueza criada em cada ano. Portugal vai crescer 0,7%, antecipa Teixeira dos Santos. O investimento, sobretudo o privado, ainda não apresentará uma tendência de crescimento sustentado e, por isso, sobrará o consumo das famílias, menos apertadas do que em 2009 e eventualmente mais disponíveis para consumirem, obviamente as que mantiverem o emprego. Como seria de esperar, o desemprego continuará a subir em 2009 e, nesta variável, o Governo estará até a ser conservador. A taxa de desemprego deverá subir três décimas, para 9,8%. Veremos...
Depois, os indicadores-chave para consumo externo, nomeadamente das agências da rating internacionais que teimam em colar Portugal à Grécia, de forma incompreensível e só explicado pela dimensão política do nosso país : o défice público deverá ser cortado em cerca de 1.600 milhões de euros, isto é, em um ponto percentual, para 8,3%. Sem qualquer margem para aumento de impostos, com a manutenção do peso da receita fiscal em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), nos 32,6%, esta redução do défice só poderia ser feita à custa da despesa. A questão mais relevante, obviamente, é que tipo de despesa está aqui em causa. A dívida pública, essa, vai continuar a subir, por força do défice acumulado em 2009 e o previsto para 2010, o que terá de ser invertido já no ano seguinte.
A Função Pública vai pagar uma factura elevada pelos benefícios ‘capturados' em 2009, ano eleitoral. Depois de aumentos salariais reais de 3,8%, acréscimos sem paralelo na economia dita privada, os trabalhadores da Função Pública não deverão ter aumentos superiores a 0,7%, e isso será, mesmo assim, uma subida de salários, no mínimo, simpática face à situação financeira do país e às contas do Estado. Além disso, continuará em 2010 a redução de activos no Estado, que já decresceu em cerca de 75 mil trabalhadores nos últimos cinco anos. Esta realidade é tão mais necessária quanto o Governo vai manter os apoios à economia, nomeadamente ao investimento e sobretudo apoios sociais aos desempregados, e aguardar pela capacidade das empresas de usarem as verbas do quadro comunitário de apoio.
José Sócrates não vai deixar cair a bandeira dos investimentos, mas, como já se percebeu, será feito através do recurso às parcerias público-privadas, porque a despesa de investimento directamente efectuada pelo Estado até vai cair em 2010. O Governo compromete-se a controlar de forma mais apertada um instrumento financeiro que, ano após ano, apresenta derrapagens nas despesa e mais encargos para o país, hoje e no futuro. Em estradas, barragens, escolas e hospitais. Além do TGV e do novo aeroporto, claro, mas estes ainda sem efeitos orçamentais no ano em curso.
Sem margem de manobra para ‘flores', o primeiro-ministro agarra uma bandeira: a tributação sobre a banca, quer sobre os lucros, quer sobre os bónus dos banqueiros. É uma bandeira que tem poucos efeitos na receita fiscal, mas serve para passar uma mensagem política: todos são obrigados a contribuir para pagar a factura da crise. Sempre útil para vender ao eleitorado de esquerda.
Tudo somado, é um orçamento mínimo garantido para a situação actual do país, o que já não é pouco. Não é obviamente o orçamento que José Sócrates gostaria de elaborar, espartilhado pela política interna e por uma situação de minoria no parlamento, e pelos avisos em tom de exigência dos investidores internacionais.
O orçamento para 2010 tenta responder à desconfiança dos portugueses e dos mercados e manter os apoios à economia. É, por isso, um orçamento que limita o seu alcance à figura do ‘nadador-salvador' da economia portuguesa. É importante, fundamental mesmo, mas ainda curto face às exigências que se colocam ao país: o Governo vai ter de mostrar, nos próximos dias, o que quer fazer para os próximos anos, para garantir uma redução sustentável, e do lado da despesa, do défice até 3% em 2013. Sem penalizar o crescimento e o emprego.