Portugal está como um paciente com uma doença terminal, a viver um dia de cada vez e à espera de uma descoberta milagrosa, que o salve do fim previsível e esperado, neste caso o recurso a ajuda financeira externa. Todos os dias, surgem notícias na imprensa internacional de referência, muitas vezes em ‘off’ e com origem em Berlim, Paris e Bruxelas, que nos ‘aconselham’ a recorrer ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira o que, na prática, significa recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Fazem-nos a vida negra e explicam-nos, a nós, portugueses, que por acto ou omissão, nos deixámos cair numa situação de pré-falência de um modelo económico e financeiro. Dito de outra forma, ‘isto’ não é vida.
Nas últimas semanas de 2010, Portugal parecia condenado a pedir ajuda, tal foi o aumento rápido e agressivo das taxas de juro que os nossos credores nos exigiam. Ultrapassando os míticos 7%. Resistimos ao Natal e ao início de 2011, mas, agora, voltámos a estar no centro do mundo, e não é pelas boas razões. O calendário das próximas semanas, até à cimeira europeia de 24 de Março, é verdadeiramente alucinante e mostra como estamos, neste momento, a viver um dia de cada vez. Como o Diário Económico revelou na edição de sexta-feira, a Standard & Poor’s (S&P) esteve em Lisboa há algumas semanas, reuniu com bancos, empresários, economistas e decisores políticos. O resultado não é brilhante e o melhor que poderemos esperar é que a S&P também espere, pelo dia 25 de Março e por uma decisão dos chefes de governo europeu, e pela senhora Merkel, em defesa do euro, logo de Portugal. A Moody’s, essa, está hoje em Lisboa para realizar o mesmo circuito e, provavelmente, chegar à mesma conclusão. A austeridade vai trazer recessão e, por responsabilidade própria e dos que nos governam, estamos em causa pela doença e pela cura.
José Sócrates e Teixeira dos Santos, chegados aqui, podem fazer muito pouco. Depois do desastre orçamental de 2010, podem, têm a obrigação, de cumprir a execução orçamental de 2011, e podem, têm a obrigação, de correr o mundo a explicar qual é a verdadeira situação de Portugal. Como têm feito, tentando ‘vender’ o País nos mercados onde, hoje, há dinheiro. É preciso dizê-lo, ao contrário da Grécia e da Irlanda, que corriam o risco iminente de entrarem em ‘default’, Portugal não está nessa situação. Nem a República, nem o sistema financeiro. Ainda. Mas os mercados apostam nesse cenário, com um grau de probabilidade que, todos os dias, aumenta, não fosse a ajuda externa de que já beneficiamos, do Banco Central Europeu.
O tempo, infelizmente, não está para grande reformas e grande anúncios, porque ninguém quer ouvir falar do longo prazo, quer saber como ultrapassámos o curto prazo. O tempo está para as finanças e não para a economia. E, neste caso, o nosso ‘curto’ prazo começa a contar já esta semana. Portugal vai ao mercado esta semana, na próxima quarta-feira, para se financiar, mas, desta vez, não estará sozinho. Outros países, numa situação mais favorável do ponto de vista de imagem junto dos investidores e/ou especuladores, vão também financiar-se no mercado para fazer face às suas necessidades. E, no mesmo dia - coincidência - Merkel chamou Sócrates a Berlim.
Dia 3 será o dia ‘D’, provavelmente o primeiro de muitos nas próximas semanas. Até uma decisão que nos tire desta angústia, seja ela uma nova oportunidade, o FMI ou eleições antecipadas.
Jean-Claude Trichet, o todo-poderoso presidente do Banco Central Europeu (BCE), exige que Portugal (leia-se José Sócrates e Teixeira dos Santos) seja rigoroso na execução do plano de austeridade. Mas, disse mais, disse que Portugal tem de ser convincente. Dito por outras palavras, Trichet está a afirmar, preto no branco, que os mercados, os investidores e até os especuladores não estão convencidos da vontade do Governo em reequilibrar as contas públicas e mudar o modelo de desenvolvimento do País ou, no mínimo, de pôr em prática essa vontade. É, portanto, esta a principal resposta que se exige ao primeiro-ministro e ao ministro das Finanças.
Depois de uma semana desastrosa para Sócrates, com uma má notícia a seguir à outra, para si e para o País, aliás, o primeiro-ministro fez uma fuga selectiva de informação, para o Expresso, sobre os números da execução orçamental de Janeiro. O objectivo foi óbvio: nos últimos dois dias, os mais importantes países do mundo - o G20 - reuniram em Paris e, nesse fórum, Portugal foi, como seria de esperar, um tema central. Sócrates precisava de travar a sucessão de más notícias, acompanhadas de um aumento consistente dos juros cobrados ao País pelos nossos credores, e enviar uma mensagem para Paris, para Trichet, para a senhora Merkel e para o presidente do FMI, Strauss-Khan. Porque a saída desta crise não depende apenas de nós, dos portugueses e do Governo. Afinal, o intervalo entre os 7% e os 8% já parece uma coisa normal, mas não é, é mesmo insuportável por muito mais tempo, como recordava Teixeira dos Santos que, em tempos, afiançava que não saberia o que fazer se passássemos o tecto dos 7%. Afinal, sabe, e ainda bem.
Não sou dos que desvaloriza os números positivos e valoriza os negativos. Os resultados preliminares da execução orçamental são muito importantes e mostram que as medidas de austeridade estão a ser cumpridas. Claro, mais não fosse, depois do corte de salários na Função Pública e dos aumentos de impostos, sem comparação com o mesmo mês do ano passado. Mesmo assim, salvaguardada a necessidade de perceber, com pormenor, os números, especialmente a despesa corrente primária e, nomeadamente as transferências para subsectores como a Saúde, a Educação e as forças de Segurança, antes melhor do que pior. E, nos próximos três meses, esta análise vai ser corrente, mês a mês. Com todos os olhares atentos.
Neste momento, Sócrates precisa urgentemente de ser convincente, sobretudo para consumo externo. E não é, como se percebe todos os dias. A responsabilidade não é apenas sua. Declarações como as de Alexandre Soares dos Santos - despropositadas na forma - não ajudam, prejudicam. Exige-se dos empresários a verdade, mais ainda de empresários com este peso político e social no Pais. Mas com outro registo. Soares dos Santos ganhou o respeito público pelo que fez, pelo que construiu, mas isso só aumenta a sua responsabilidade. Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, que sirva de exemplo. A verdade está lá, sem compromissos, mas a favor do País.
Portugal entrou em pré-campanha eleitoral, quando mais precisava de estabilidade política. No mesmo dia em que os investidores exigiam um juro historicamente elevado, de 7,6%, para emprestar dinheiro ao País, o irresponsavelmente inteligente Francisco Louçã anuncia uma moção de censura ao Governo com um mês de antecedência. Pôs o país em suspenso!
A irresponsabilidade está feita, por razões tácticas de concorrência com o PCP no mercado das moções de censura, no pior momento e quando ainda não se percebeu se vamos ou não ter de recorrer a ajuda externa para cumprir os nossos compromissos. Louçã decidiu dar as mãos e os braços aos investidores que não confiam na capacidade de Portugal e exigem um juro insuportável a Portugal. Agiotas, acusa Louçã, o seu novo aliado, que voltou a ter os seus cinco minutos de fama, encostou o PCP e anulou o CDS. Ganhou Louçã e perdeu o país, que vai pagar caro, ainda mais caro, esta irresponsabilidade, com mais e mais juros, até ao inevitável FMI, venha ele vestido de que forma vier.
Mas isso, verdadeiramente, já não interessa. A moção de Louçã marca a agenda política de forma indelével e condiciona o futuro político, económico e social. O dia 10 de Fevereiro será, provavelmente, mais importante do que pode supor, e a história disso rezará. Porque esta moção é o ‘princípio do fim’. Como se pôde constatar ainda ontem, os mercados não se comovem com aumentos da receita fiscal de 15% em Janeiro suportados por um confisco fiscal aprovado no Orçamento do Estado de 2011, exigem, antes, os cortes na despesa pública prometidos e ainda por verificar.
O caos, teme-se, está ao virar da esquina, e por isso, sobra a pergunta: E agora, Pedro? Pedro Passos Coelho, presidente do PSD, afirmou, há uma semana, numa grande entrevista a Maria João Avillez, no canal Etv, que não andaria com o Governo ao colo, como tem andado, com medo de queimar os dedos. E agora, Pedro? Vai queimar os dedos?
É mesmo disso que se trata. Falta um mês, um longo mês, para Louçã levar ao Parlamento a moção de censura e o voto do PSD fará cair o Governo ou mantê-lo-á em funções. O espaço e o tempo são estreitos. E favoráveis para Sócrates. Não para o País.
Do ponto de vista do PSD, é óbvio, a moção de censura deveria surgir em Maio, mas anunciada um dia antes da sua apresentação. Porquê? Presumivelmente, nessa altura, já teríamos escapado ao pior, o FMI, por decisão da senhora Merkel e porque a execução orçamental estaria, no mínimo, dentro do previsto. A situação económica não vai melhorar, vai mesmo piorar antes de melhorar, o desemprego vai continuar alto, por isso, o caldo de crise seria uma oportunidade única para Passos Coelho.
E, agora, Pedro? Um mês é muito tempo, muito pode acontecer, os investidores, as agências de rating, a Comissão Europeia, a senhora Merkel ainda vão falar. Sócrates vai fazer-se de vítima e os seus adversários internos, no PSD, vão estar à espreita.
Ainda assim, e apesar dos custos associados a um longo e penoso processo eleitoral, que ‘acaba’ com a possibilidade de Portugal cumprir os seus compromissos em 2011, Pedro Passos Coelho tem de se assumir. E tem de assumir a sua condição de líder do maior partido da Oposição.