No momento em que as relações políticas e diplomáticas entre Portugal e Angola vivem momentos, no mínimo, conturbados, a Sonangol reforça a sua posição accionista no Millennium bcp. Ao que considera uma guerra política e judicial, Angola responde com poder, influência e dinheiro.
Portugal, a "desvairada imprensa portuguesa", "as elites corruptas políticas e económicas daquele País em profunda crise moral", foram esta semana brindados com mais um texto de opinião do director do Jornal de Angola. Uma resposta a mais uma notícia do Expresso sobre uma investigação do DCIAP ao Procurador-Geral da República de Angola. Só escapa Paulo Portas, que era nos tempos de jornal 'O Independente' um inimigo público do MPLA e hoje a única ponte política entre Lisboa e Luanda.
Claro, há um enquadramento novo nas relações entre os dois países, uma necessidade que levou o ministro dos Negócios Estrangeiros, e bem, a visitar Angola e a garantir que o investimento angolano em Portugal é bem-vindo. É justo reconhecê-lo, em determinados círculos, mais por necessidade do que por convicção, e não deveria sê-lo. Não reflectem, ainda assim, a avaliação dos portugueses, como se percebe das posições de Isabel dos Santos ou da própria Sonangol em Portugal, com benefícios para ambos os países.
O reforço da posição do BCP para 20% - o tecto autorizado pelo Banco de Portugal - é, neste contexto, uma demonstração de força, e que, aliás, deve ser somada à decisão de 'matar' um acordo que tinha sido assinado com a Caixa Geral de Depósitos (CGD) para um banco em Angola.
A Sonangol já era o accionista de referência do Millennium BCP, escolheu Nuno Amado para a presidência do banco há cerca de um ano, definiu a estratégia, que agora é reafirmada. Tinha cerca de 15% do capital, o aumento da posição para pouco menos de 20% serve para baixar o preço médio das acções da petrolífera angolana, e demonstra a confiança na equipa e no plano de recuperação da instituição. Tudo isto é verdade, mas não é toda a verdade.
As lições de Itália
O caos político em Itália deveria ser um aviso para o Governo e também para os que, em Portugal, sonham com eleições antecipadas. Os italianos caminham para a ingovernabilidade e já há quem defende uma solução 'à grega', isto é, novas eleições até os cidadãos escolherem um partido ou uma coligação que garanta um executivo estável.
As obrigações italianas evoluiram ontem ao sabor das sondagens, instáveis como os resultados que davam a vítoria ao centro-esquerda e que, depois, antecipavam o regresso de Berlusconi ao poder. Hoje se saberão os resultados definitivos e, provavelmente, a instabilidade política total. Os italianos não gostaram do tecnocrata Monti, preferem a política que resulta de opções e votos.
O Governo deve perceber que tem de ter um discurso político, tem de explicar o que quer e ao que vai. Os outros, os que apostam na queda do Governo, têm de perceber que uma crise político é o caminho mais rápido para o segundo resgaste. Nem o BCE nos salvará.
A instabilidade regressou à Europa e ao euro por causa das eleições em Itália e do risco de ingovernabilidade que atingiu aquele país fundador do projecto europeu, mas o que os italianos mostraram é que estamos ainda longe de sair de uma crise que o BCE tem ajudado a disfarçar.
A forma mais fácil, e redutora, de analisar os resultados das eleições em Itália, a votação desastrosa do candidato preferido da Troika e dos mercados, Mário Monti, e a expressiva votação no comediante Beppe Grillo, é considerar que os italianos são irresponsáveis e merecem o que têm. É, seguramente, um erro que nos custará, a todos, europeus, muito. Eventualmente o futuro. Porque a Itália não é a Irlanda, nem sequer Portugal, menos ainda a Grécia.
Os líderes europeus, Angela Merkel, Durão Barroso, e até o primeiro-ministro português, Passos Coelho, devem tentar perceber o que fizeram de errado, o que não fizeram, para levar os italianos, leia-se a Democracia, a responder desta forma às exigências que se colocam à Europa. A primeira responsabilidade é deles, não é dos eleitores em Itália, que não perceberam para que serve a austeridade, o reequilíbrio das contas públicas, o corte em direitos que eram dados como adquiridos.
Os resultados em Itália, a instabilidade governativa que lança dúvidas sobre o que foi a evolução da crise europeia nos últimos meses, para dizer o mínimo, devem ser aproveitados como uma lição. A alternativa são as ameaças, no fundo, afirmar que a Itália deve sair do euro, ou melhor, que o euro deve acabar.
Esta lição não serve apenas para a Europa, serve também para Portugal e para o que está para vir. A possibilidade de o país avançar para eleições antecipadas seria um desastre, mesmo sem um palhaço como Grillo. Se a governabilidade em Portugal é posta em causa semana sim, semana não, apesar de uma coligação, se o necessário ajustamento das condições financeiras é tão difícil do ponto de vista económico, político e social, e ainda não está concluído, o que seria um governo minoritário?
Dito isto, a responsabilidade de Pedro Passos Coelho e de Vítor Gaspar é a de explicarem as virtudes de um processo de ajustamento que chegou ao limite das suas possibilidades, é negociar nesta sétima avaliação da Troika novas condições que criem os incentivos correctos ao investimento privado, a única forma de garantir a saída da crise.
O País está numa espiral recessiva e os portugueses já mergulharam numa espiral depressiva, porque o Governo decidiu gerir o País sem sair do gabinete, porque Vítor Gaspar pôs-se a jogar ao monopólio e assumiu o papel da 'banca' e, ao mesmo tempo, de jogador, lançou os dados e foi avançando, mas está agora perto de cair na prisão. O Governo só tem uma saída, é regressar à casa de partida e abrir um verdadeiro processo político de renegociação do acordo com a 'troika'. Um 'reset'. Para garantir que os últimos 18 meses e o regresso aos mercados não foram um fim em si mesmo. O programa de ajustamento desenhado em Abril de 2011 esgotou-se, foi executado ao limite, levado ao extremo do suportável. Ultrapassou a linha que separa a austeridade do empobrecimento estrutural e permanente. Uma recessão de 3,8% no último trimestre de 2012 não está em linha com as previsões do Governo, não está em linha com nada nem com ninguém, talvez se aproxime rapidamente da linha dos gregos. Chegou a hora de Vítor Gaspar mudar as regras do jogo que tem jogado, não com os portugueses, como devia, mas com os credores internacionais, a 'troika'. O Governo tem, por isso, uma oportunidade única. Quando Vítor Gaspar anuncia que Portugal deverá ter mais um ano para cumprir a redução do défice público para valores abaixo de 3%, está apenas a prolongar a agonia de uma economia e de um povo. Será contraproducente. Será, aliás, a segunda vez no espaço de meses que Portugal negoceia o prolongamento das metas de redução do défice. Como se vê, não chega sequer para compensar os desvios de uma economia que não resiste a um ajustamento suportado em aumento de impostos. Nem o reescalonamento - mais um eufemismo - do reembolso do empréstimo. São aspirinas, que adiam o inevitável. O Orçamento de 2013, já aqui o escrevi, não é exequível. Já não era em Outubro, é menos ainda em Fevereiro. Gaspar comprou tempo, não comprou o suficiente. E a revisão das projecções para este ano, uma recessão de 2%, é ainda optimista. Gaspar continua a acreditar que o mundo não mudou assim tanto. Já mudou. O Governo não precisa, ainda, de pedir mais dinheiro. Se não fizer essa renegociação, agora, já, aí sim, será inevitável um novo resgate, venha ele a ter a configuração que tiver, com mais dinheiro e mais austeridade. Uma renegociação política do acordo com a 'troika' interessa a Portugal, interessa à 'troika'. E só faz sentido se for ambiciosa, se o Governo considerar medidas de excepção para um momento de excepção. Sem pôr em causa a necessidade de fazer o ajustamento das contas públicas. A reestruturação da economia está em curso, a austeridade está a produzir uma reestruturação mais rápida e mais profunda, surpreendeu um ministro que foi avisado a tempo, e com tempo. Tem, agora, de garantir que os recursos financeiros que deixaram de ser canalizados para os sectores protegidos da economia cheguem aos sectores expostos à concorrência. Não estão a chegar, não há projectos porque não há nenhum investimento que garante uma taxa de rentabilidade suficiente para pagar o custo desse financiamento. Hoje, nem as PPP são financiáveis àqueles juros. Gaspar tem, agora, de garantir incentivos de choque para promover o investimento empresarial privado, ao mesmo tempo que terá de manter o objectivo de redução do peso da despesa pública corrente em percentagem do PIB. Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar têm, por isso, a partir de 25 de Fevereiro a última oportunidade para causar uma última boa impressão. Vão dar razão a António José Seguro? É justo reconhecer as razões do líder do PS nesta questão, quando, em Julho do ano passado, afirmava em entrevista ao Diário Económico que a sua alternativa à política do Governo era mais tempo para fazer o ajustamento. É a vida. O País é mais importante.
Cavaco Silva afirmou no discurso de Ano Novo que Portugal já estava numa situação de espiral recessiva. Os números da evolução da economia ao longo de 2012, que terminou com uma contracção de 3,8%, um valor a tocar os máximos históricos, dão-lhe razão, e deveriam fazer soar os alarmes em São Bento e na Praça do Comércio.
24 horas depois de serem divulgados os dados do desemprego - 16,9% no último trimestre - a semana não poderia acabar da pior forma. A economia portuguesa registou uma recessão de 3,2% em 2012, ligeiramente acima do previsto (na última de uma sucessão de revisões) pelo Governo. Sim, a diferença de duas décimas é, estatisticamente, irrelevante.
O problema, esse sim muito relevante, é outro, é a tendência que se verifica ao longo do ano e essa sim é uma espiral recessiva. Basta, aliás, cruzar esta queda do produto com o nível de destruição de desemprego nos últimos três meses do ano - metade do total de 200 mil ao longo de 2012 - para ficar claro o nível de ajustamento brutal que atingiu a economia portuguesa.
O Governo fez o ajustamento orçamental em 2012 à custa de impostos e de cortes temporários de despesa, que os juízes do Tribunal Constitucional se encarregaram de chumbar. E fez aprovar um Orçamento de 2013 que é, basicamente, um confisco para cumprir as metas de redução do défice acordadas com a 'troika'. Foi, é um modelo de ajustamento desequilibrado, que retirou recursos à economia privada, que só poderia ter este resultado. E vem aí mais.
"A austeridade está a resultar, mas falta o resto", escrevi ontem neste espaço, a propósito do desemprego que atinge mais de 1,4 milhões de pessoas. 'O resto' é enorme. E faltará ainda mais em 2013, tendo em conta o orçamento que está em vigor e a crise económica que atinge a Europa.
Pedro Passos Coelho anunciou em Agosto o regresso do crescimento em 2013, reafirmou ontem a inversão do ciclo económico na segunda metade do ano, mas não se percebe bem em que é que é o primeiro-ministro se baseia para fazer estas previsões. Com a informação disponível, é pura astrologia. O primeiro-ministro está a ver um crescimento nas estrelas.
Passos Coelho e Vítor Gaspar não têm dado ouvidos aos alertas, muitos de dentro do próprio Governo, sobre os riscos de o País cair numa espiral recessiva. Agora, já caiu, já passou a linha que separa o ajustamento necessário, pelo qual este Governo não é responsável, da recessão crónica. Em 1982/83, por exemplo, Portugal tinha instrumentos para realizar uma desvalorização interna de preços e tinha, ao mesmo tempo, uma economia europeia que estava a crescer. Vivíamos um problema nosso.
Hoje, vivemos um problema nosso em simultâneo com um problema europeu e, até, mundial. Não há escapatórias em 2013, talvez em 2014 com a ajuda da 'troika', que tem de ser chamada à razão já nesta sétima avaliação que se inicia no dia 25 de Fevereiro, tem de estar disponível para regimes de excepção e medidas de choque, fiscal por exemplo, se não quiser ter mais uma Grécia quando está tão perto de ter mais uma Irlanda.
O desemprego em Portugal no último trimestre de 2012 atingiu os 16,9% da população activa, mais de 923 mil desempregados, e já superou a previsão do Governo para 2013. É uma surpresa? Apenas a rapidez, e profundidade, de uma reestruturação da economia, assente nos serviços e nos bens não transaccionáveis financiados a crédito, que todos pediam, sem ater às suas consequências.
Mais de 50% dos desempregados são do sector dos serviços, exacto, aquele sector que vivia do consumo interno, da procura interna, e que tinha necessariamente de sofrer um ajustamento, uma desvalorização. Aí está ele, o dos bens não transaccionáveis, que tem de ser substituído pelo outro, o que suporta as exportações ou substitui as importações. E não está aqui a construção.
Os números são brutais, e assustam. Cada desempregado é um drama, pessoal, familiar, sem resposta fácil, e menos ainda imediata. E nem a melhor retórica política - que Passos Coelho falha na primeira reacção pública aos números do INE - conseguiria ultrapassar o facto de não haver uma boa forma de dar más notícias. Se a taxa global no último trimestre de 2012 surpreende pela dimensão, a análise fina da estrutura do desemprego (ver destaque nesta edição) permite perceber que as políticas estão a dar resultados, provavelmente mais rapidamente do que o Governo esperava. O problema é o resto.
O problema é que o Governo não contava com um ajustamento tão rápido da economia portuguesa, não esperava que os portugueses percebessem, de forma tão transparente, que não haveria limites para a austeridade e, por isso, chega atrasado, muito atrasado, à necessidade de garantir financiamento, a um preço razoável, para as outras empresas. Vai discutir agora, na sétima avaliação da 'troika', novos instrumentos e novas formas de garantir uma normalização do financiamento da banca, necessária à estabilização do financiamento das empresas.
Pedro Passos Coelho avisou, mas ninguém o ouviu, pelos vistos, nem o próprio Governo que lidera. Sem medidas de choque como a redução da TSU para as empresas, a 'troika' antecipava um desemprego da ordem dos 17%, dizia, há meses, em entrevista à RTP. Era um número que pecava por optimismo.
Hoje, há uma pergunta que se impõe: as melhores previsões para o investimento apontam para uma queda superior a 5%, depois de reduções significativas nos últimos três anos. E, claro, neste contexto, sem investimento e sem consumo privado, a economia vai continuar a cair em 2013, 'ajudada' ainda pela estagnação da economia europeia. O que pode levar os empresários que estão no País a investirem ou as empresas estrangeiras a entrarem em Portugal? Tendo em conta o que se sabe, a resposta é simples: nada!
Enquanto Pedro Passos Coelho não for capaz de responder a esta pergunta, enquanto não tiver uma resposta de curto prazo, de choque, de emergência económica, o melhor é prepararmo-nos para mais más notícias nos próximos 12 a 18 meses, pelo menos, enquanto não chega a ajuda europeia. Para a degradação das expectativas dos empresários, para o lamento dos trabalhadores, para mais desemprego.
Os cinco maiores grupos bancários nacionais apresentaram em 2012 prejuízos acumulados da ordem dos mil milhões de euros, uma performance melhor do que a do ano anterior, num processo de limpeza de balanços que é tão necessária como urgente, mas esta evolução esconde uma realidade bem mais difícil.
Nem todos os bancos apresentaram prejuízos, mas todos aproveitaram o ambiente financeiro favorável para realizarem mais-valias significativas, seja com dívida própria, seja com a dívida pública da República Portuguesa, que teve uma rentabilidade média de 57% no ano passado. O problema é a realidade, a realidade económica interna presente e os negócios passados, muitos sem garantias, que a crise veio expor, e tornar insustentável.
O Millennium bcp e a Caixa Geral de Depósitos, os dois bancos que apresentaram prejuízos, são, neste contexto, os bancos mais expostos e, por isso, continuam a evidenciar a dificuldade em corrigir a história. Os dois estão mais sólidos hoje do que há um ano, evoluíram favoravelmente na sua actividade operacional tendo em conta o contexto, mas vão ter em 2013 um ano decisivo.
Nuno Amado concluiu o primeiro exercício de gestão como presidente do BCP e, percebe-se, decidiu ir tão longe quanto o possível nas contas do ano passado. Amado sabe que não terá uma segunda oportunidade para responsabilizar a gestão que o antecedeu dos resultados do BCP. No fundo, Amado considera que 2013 será, verdadeiramente, o 'seu' primeiro ano de mandato, aquele pelo qual ele e a sua equipa serão responsabilizados, desde logo pelo accionista que o 'nomeou', a Sonangol.
José de Matos, ao contrário, entra em 2013 no último ano de mandato e lidera um banco 100% público. Por isso, a Caixa Geral de Depósitos não pode enterrar os esqueletos que tem no armário de um ano para o outro. Por razões políticas, mas também pelas exigências que se colocariam ao accionista, o Estado, e logo aos contribuintes.
O ano de 2013 vai continuar a ser difícil para a banca, e para as empresas que dependem do financiamento bancário. E a depender, e muito, da conjuntura económica interna. E, mais ainda, do que vai ser negociado com a Direcção-Geral da Concorrência europeia, que chega esta semana a Lisboa, por causa das ajudas públicas. Como o Económico revelou em primeira mão, Bruxelas prepara-se para obrigar o BCP a vender a operação o na Polónia, a principal operação do banco no exterior. E outros remédios serão impostos à Caixa, e também ao BPI e ao Banif.
PS1: António José Seguro comprou as pazes com o passado, com Sócrates, para poder comprar a ambição de ter futuro. Vendeu a alma ao diabo, como se percebe do que não fez durante o Governo de Sócrates e do que fez desde que é secretário-geral do PS. A crise do PS serviu apenas para isto. De resto, o que vai mudar no futuro é sobretudo o estilo, será um discurso com menos pesos na consciência. Mas a substância será a mesma. O acordo de estratégia entre António José Seguro e António Costa não vai mudar nada de substantivo, porque o futuro está marcado, com este Governo ou com outro, com comissões parlamentares de reforma do Estado ou sem comissões. A ajuda da Troika, a ajuda financeira, termina em Junho de 2014 e, nessa altura, ou vivemos à nossa conta, ou vamos ter de pedir um segundo resgate externo. E, em simultâneo, é necessário que corra tudo (muito) bem na Europa.
PS2: As televisões estão em guerra por causa do novo sistema de audiências da GFK e de um novo painel de audimetria. Mas o conflito está longe de ser apenas entre os três canais generalistas, é uma luta de poder que envolve Pinto Balsemão, Alberto da Ponte e Rosa Cullel, mas também Zeinal Bava, Rodrigo Costa, Pedro Soares dos Santos e Paulo Azevedo. E, claro, até as principais agências de comunicação. São centenas de milhões de investimento publicitário que estão em jogo e que dependem das audiências, e estas dependem da qualidade da programação, mas também, e muito, do painel que serve para as medir. A SIC, com a ajuda essencial da PT, está a ganhar, fez as movimentações certas no momento certo, a TVI arrisca-se a perder o domínio do bolo publicitário e a RTP caminha, a passos largos, para a irrelevância e, aí, não haverá plano de reestruturação que chegue.
A maior parte dos trabalhadores terá recusado receber em duodécimos os subsídios de férias e de Natal, uma solução expedita para iludir o efeito do brutal aumento de impostos no rendimento mensal disponível. Afinal, os portugueses ainda aguentam, como dizia Fernando Ulrich?
Haverá várias justificações para uma decisão da maioria dos trabalhadores que é, no mínimo, surpreendente. Em primeiro lugar, perante a possibilidade de escolherem, os trabalhadores escolheram, activamente, uma opção. Por inércia, seria provavelmente mais fácil aceitarem por defeito a imposição de duodécimos, que, nos casos de salários até 2.700 euros brutos por mês, teriam um impacto positivo no salário mensal líquido.
À priori, o valor médio do salário mensal no sector privado em torno dos 800 euros dir-nos-ia que os trabalhadores portugueses não poderiam dispensar os duodécimos. O impacto do aumento de impostos seria necessariamente limitado tendo em conta o valor da remuneração, mas, por isso mesmo, por causa de um salário baixo, qualquer euro faria falta. Não faz, afinal?
Faz, claro. A maioria dos trabalhadores portugueses, afinal, escolheu não escolher, optou por não ter a liberdade de gerir o seu orçamento mensal. A decisão da maioria dos trabalhadores tem, por isso, mais de comportamental e de cultural do que de outra coisa. A verdade é que os trabalhadores portugueses estão habituados a receber 14 meses de salário e não estão preparados ou dispostos a abdicarem desse regime. Mesmo quando ainda ficariam a beneficiar de 50% dos respectivos subsídios.
Os trabalhadores, a maioria, não querem arriscar a ilusão de um aumento salarial falso como judas, e preferem aguentar, leia-se apertar ainda mais o cinto, na sua gestão mensal para assegurarem a capacidade de pagar o seguro do carro ou a inscrição dos filhos na escola. Preferem aguentar.
Os trabalhadores estão, também, a tentar travar o que é inevitável, e que estaria também no espírito de quem 'inventou' a solução milagrosa dos duodécimos: mais cedo ou mais tarde, e será mais cedo do que tarde, caminharemos para um regime salarial de 12 salários por ano, ou 13 no máximo, o que vai contribuir, também, para a desvalorização interna necessária à correcção das necessidades do País, particularmente as necessidades externas. É o choque de competitividade salarial. E os gestores e empresários que não se queixem.
O caminho vai continuar a fazer-se, e os portugueses vão continuar a aguentar, claro. A que preço, para os próprios, e para o País?
PS: Escrevi ontem neste espaço que o governador do Banco de Portugal tinha actuado tarde, pelo menos publicamente, no caso relacionado com a avaliação de idoneidade de Ricardo Salgado, de Morais Pires e de José Maria Ricciardi. E, pior, tinha deixado a suspeita no ar, e a cúpula do BES em lume brando. Carlos Costa corrigiu o tiro, e bem, encerrando o caso. A tempo.
Ricardo Salgado apresenta hoje as contas do Banco Espírito Santo (BES) relativas a 2012, mas os resultados não são a principal notícia que se espera da conferência de imprensa. É, antes, a resposta às suspeitas que foram lançadas pelo Banco de Portugal sobre a idoneidade do presidente do banco por causa das correcções às declarações em sede de IRS. O governador do banco central, Carlos Costa, estava sob pressão por não ter ainda feito nenhuma diligência, que se conhecesse, em relação aos casos, diferentes, que foram divulgados nas últimas semanas e que envolveram a cúpula de poder do BES, três dos nomes mais relevantes na estrutura de decisão de um grupo financeiro que era, até agora, intocável. Deixou de o ser, e bem, e as acusações a José Maria Ricciardi e Morais Pires por causa das suspeitas de 'inside trading' relativo a dispersão de capital da EDP Renováveis em 2008, e a chamada de Salgado ao DCIAP, na qualidade de testemunha, por causa do caso Monte Branco, abriram, nos dois casos, uma porta que se pensava ter a segurança de um cofre-forte de um banco. O braço da justiça, afinal, é longo e chega a todo o lado. Até ao BES e a Ricardo Salgado, o homem mais poderoso, conhecido, com a reverência que o próprio recusa, por 'DDT, o Dono Disto Tudo'. Mas é preciso haver acusação e prova em tribunal, coisas que não estão feitas no primeiro caso e nem sequer estão em causa no segundo. O caso de Ricardo Salgado é mais grave. O Banco de Portugal não só chegou tarde à questão, pelo menos publicamente, como abriu uma caixa de pandora que pode voltar-se contra si. Ricardo Salgado já tem um despacho do procurador Rosário Teixeira que o iliba de qualquer suspeita de envolvimento no Monte Branco e sobra, assim, a questão de idoneidade por causa das declarações fiscais, o que o Banco de Portugal quis salvaguardar quando faz saber que chamou o presidente do BES para prestar esclarecimentos. O presidente do BES garante que não tirou capitais do País e o Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT) permite-lhe, a ele e a qualquer contribuinte, a repatriação de capitais sem consequências criminais. Salgado estava, ainda assim, obrigado a prestar esclarecimentos ao Banco de Portugal e deveria até ter prestado esclarecimentos públicos sobre as correcções às declarações de IRS por iniciativa própria, para que não subsistissem dúvidas. A entrevista de Ricardo Salgado ao Expresso em meados de Janeiro é, aliás, de certa maneira, a confissão de que percebeu o que estava em causa, a necessidade de sair da sua zona de conforto, de falar sobre temas que, regra geral não constam das suas intervenções, como a influência do grupo que lidera, a sucessão e a confiança no futuro do banco. É neste contexto que Carlos Costa não deve, não pode, manter o presidente do BES em lume brando. E isso é o que está em causa hoje. À semelhança do que fez com Jorge Tomé, o governador do Banco de Portugal não se poderá refugiar na lei para manter a discrição e o silêncio. Neste caso, o que está em causa tem um valor superior. Carlos Costa só poderia ter desencadeado aqueles contactos, mas já os deveria ter encerrado. Ao não o fazer, será chamado diariamente a pronunciar-se sobre o tema, até que o faça. E quanto mais tempo demorar a tomar uma decisão e a publicitá-la, que, em face do que se sabe, só poderá ser de idoneidade para o cargo, maior será a expectativa de que estará a preparar--se para mudar a cabeça do único dos principais bancos privados de base portuguesa que não pediu a ajuda do Estado. Haverá maior ironia?