O manifesto dos 70 notáveis que defendem a reestruturação da dívida pública não resistiu ao teste das primeiras 24 horas, à avaliação dos pressupostos técnicos usados para justificar tal iniciativa, absolutamente suicida se fosse para ser levada a sério, agora, assim, desta forma. É pois, apenas, um documento político mínimo garantido que serviu para uns credibilizarem as propostas de outros, para pôr a estratégia de oposição ao Governo à frente do interesse do País, para fazer oposição pessoal a Passos Coelho.
A dois meses do fecho do programa de ajustamento com a 'troika', é claro que a ideia, perigosa e, felizmente, falsa, de que há um consenso nacional para não pagar a dívida, pelo menos parte dela, suscita os maiores receios a quem nos emprestou, e a quem pensa voltar a emprestar no futuro e espera ser reembolsado. O manifesto não identifica quem ficaria com o calote nos braços, mas as contas, que os subscritores do manifesto, de resto, não revelam, deixa perceber que a dívida da 'troika' não chegaria, mesmo que aceitasse tal coisa, teria de ser acompanhado de perdas dos residentes, leia-se, dos bancos portugueses, dos depositantes e dos próprios investidores em títulos de dívida como os certificados de aforro.
Ninguém, creio, questiona que a dívida pública é um fardo pesado, custa mais de sete mil milhões de euros em juros por ano, vale mais do que a maior parte dos orçamentos sectoriais, é ele próprio um orçamento, e até tem um 'ministro', João Moreira Rato, o presidente do IGCP, que tem feito, e bem, uma renegociação permanente, e no mercado, dos planos de reembolso. Mas o manifesto, subscrito por tantos que tiveram responsabilidades governativas, e em áreas tão sensíveis como as Finanças, não aponta, uma única vez, a reforma do Estado, a reforma da economia, como passos prévios a qualquer outra iniciativa. Porque, como dizia Bagão Félix no seu comentário semanal na SIC Notícias em Outubro de 2013, "quando se fala em reestruturação da dívida, entenda-se, não pagar parte da dívida", o que está em causa é um mesmo um 'haircut'. Pode ser ordenado, como o grego, ou desordenado, como os que vemos na América Latina, mas são, ambos, igualmente maus. Como os gregos bem sabem, porque tiveram, em alternativa, de suportar ainda mais austeridade, maior do que aquela que é necessária para pagar os juros da dívida. Foi isso que foi proposto e, por isso também, o timing não poderia ser pior.
Os subscritores do manifesto tentaram, precipitadamente, cavalgar o prefácio dos Roteiros de Cavaco Silva, a mensagem do Presidente sobre o que nos espera no pós-troika e aproveitar uma janela de oportunidade num movimento de oportunismo político que toda a gente rapidamente percebeu. E por isso, Cavaco só poderia demitir os dois consultores que assinaram o manifesto. A coisa fugiu-lhes do controlo. Salvou-se o PS e António José Seguro que, nesta matéria, manteve um cuidado silêncio. Sim, é possível discutir o futuro do País e do peso da dívida, e sim, este é o pior momento para o fazer nestes termos, anunciando ao mundo que nos preparamos para não pagar. Fica uma tentativa falhada de um manifesto que poderia ter apelado a um consenso político para estabilizar as contas públicas e acabou por ser acto falhado de oposição.