A política destrói valor, diz-me um amigo sempre que o discurso partidário toma conta da racionalidade económica no debate público. Tendo a discordar, porque não tenho essa visão da política nem dos políticos, mas penso sempre nesta frase quando a actualidade mediática é feita de discussões como a que existe hoje, em torno dos 'novos' cortes de despesa pública.
Portugal tem um compromisso com a 'troika' para descer o défice de 4% em 2014 para 2,5% no ano seguinte, ou seja, qualquer coisa como 1,5 pontos do Produto Interno Bruto (PIB), mais de 2,5 mil milhões de euros. E tem esse compromisso, até revisto e diminuído face ao programa de ajustamento inicialmente assinado, por isso, só a retórica partidária, e as eleições do próximo dia 25 de Maio, podem justificar a ideia de que há uma agenda escondida de cortes. Ela é bem conhecida de todos, e qualquer que fosse o governo, teria de a aplicar. É claro, todos gostariam que o crescimento da economia permitisse reduzir o défice público sem a necessidade de novos cortes de despesa, mas todos também sabem que isso é impossível. É por isso mesmo que o assessor económico de António José Seguro, Óscar Gaspar, afirmou que não é realista admitir uma reposição dos cortes salariais da função pública no imediato. Diria mesmo, nunca mais. Porque isso significaria voltar à casa de partida.
O Governo vai ter de apresentar um plano adicional de cortes de despesa face aos que são conhecidos e estão aplicados já em 2015 e anos seguintes, e a questão é saber qual será o efeito de 'carry over' dos resultados orçamentais de 2013, por um lado, e das melhores previsões económicas para este ano e para o próximo, por outro, para chegar ao número final de cortes. Será de dois mil milhões de euros? Será de 1,5 mil milhões? Creio que será qualquer coisa no meio.
O que o PS e António José Seguro deveriam estar a exigir, e o Governo deveria clarificar no Documento de Estratégia Orçamental (DEO) é outra coisa, essa sim, relevante e não conhecida. De que forma serão feitos esses cortes, com mais medidas transversais, e cegas, ou suportadas num plano de reformas do Estado, por exemplo, com uma tabela salarial única na Função Pública.
A surpresa da Oposição em relação aos cortes já previstos, e cujos números já eram, grosso modo, conhecidos, torna o debate político mais pobre e dá o pretexto perfeito ao Governo para seguir no mesmo caminho, isto é, na apresentação de um DEO 'branco', sem detalhe de medidas e áreas que serão alvo de cortes. Ao invés, seria também importante que Seguro acrescentasse alguma coisa à divergência insanável com o Governo. Qual é, afinal, a sua proposta?
PS: A discussão em torno do salários 'milionários' dos membros da comissão instaladora do Banco de Fomento padece exactamente do mesmo problema. É um tema óptimo para criar ruído, mas acaba por evitar que se discuta o essencial. Afinal, para que serve um banco de fomento, quando temos a Caixa Geral de Depósitos. Já escrevi, e repito, dou o benefício da dúvida a Paulo Azevedo, o presidente do novo banco, pela sua experiência na gestão bancária e no financiamento às empresas. É uma garantia de que o Banco de Fomento não será um instrumento político para financiar empresas amigas, deste ou de outro governo. Mas, dito isto, a discussão deve ser a de saber, por exemplo, quais serão os estatutos do novo banco e as suas competências, por exemplo, na relação com o IAPMEI, que ficou fora desta integração - porquê? - e tem também um papel relevante no financiamento às PME?