Em menos de 24 horas, os portugueses voltaram a ouvir um acrónimo que tinha desaparecido das conversas de café nos últimos anos: OPA, de Operação Pública de Aquisição, de uma empresa a comprar outra. Estranho quando estamos em situação de emergência nacional? Nem tanto. A família Mello e um fundo de investimento, por um lado, e os brasileiros da Camargo Corrêa, por outro, têm razões bem diferentes para lançarem OPA sobre a Brisa e sobre a Cimpor, respectivamente, mas têm uma que é idêntica. Boas empresas ao preço da chuva. Dito de outra forma, a crise trouxe as OPA.
As OPA revelam, desde logo, que os empresários já perceberam que 'isto' já bateu no fundo, o preço dos activos em Portugal está barato, para o que valem hoje, e para o que podem valer no futuro. Chegou o momento de comprarem, ou outros comprarão por eles. Este é a primeira ilação das duas OPA anunciadas no final da semana passada.
Agora, as OPA revelam que há confiança no futuro da economia portuguesa, na saída da crise e na sustentabilidade das opções que estão a ser tomadas? Sim, mas...
Os Mello e a Camargo Corrêa propõem-se investir 700 e 2,3 mil milhões de euros para controlar a Brisa e a Cimpor e isso, é claro, não é despiciendo. Numa economia que vai cair 3,4% em 2012 e estagnar em 2013, diz o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, três mil milhões de euros é muito dinheiro, que ninguém estaria disposto a arriscar se admitisse o risco de 'default' ou a reestruturação da dívida pública após 2013. É, digamos, um voto de confiança, um sinal de que a economia não parou. Pelo menos, parte da economia. Ainda assim, Pedro Passos Coelho deve evitar a tentação de utilizar as OPA para fazer política, como era tão comum em José Sócrates.
Vejamos: Os Mello perceberam que garantiam agora o controlo da Brisa ou acabariam por ser expulsos, por força de outra oferta, eventualmente do outro accionista de referência, os espanhóis da Abertis. Aliaram-se ao fundo Arcus e blindaram o controlo da concessionária de auto-estradas que estava a cotar abaixo dos 2,5 euros e vale, seguramente, mais do dobro. A OPA é uma consequência, legal, de um acordo entre dois accionistas que já valem mais de 52% dos direitos de voto. O controlo foi assegurado antes da OPA, dispensa-a, e, por isso, o melhor que pode suceder a Vasco Mello é o fracasso da oferta. Poupa 700 milhões.
A OPA da Camargo Corrêa sobre a Cimpor, a maior empresa industrial de base portuguesa, há muito estava anunciada. Desde o dia em que a brasileira CSN lançou uma OPA à Cimpor e duas grandes companhias brasileiras perceberam o risco que corriam, passaram de concorrentes no mundo a aliados em Portugal, na própria Cimpor. Claro, duas cimenteiras, brasileiras, a mandarem numa terceira, portuguesa, não poderia durar por muito tempo. Era um casamento de conveniência. E o que vai suceder é a divisão da Cimpor entre a Camargo, que compra, e a Votorantim, o outro accionista brasileiro, também cimenteiro, que vai aceitar vender. Com a conivência da Caixa Geral de Depósitos, que recusou a oferta da CSN a 6,18 euros há pouco mais de dois anos para aceitar vender agora a 5,5 euros por acção. O problema não é vender agora, é não ter vendido há dois anos, mais, é ter decidido ser accionista da Cimpor.
As duas ofertas vão ser, provavelmente, um sucesso, vão contrariar a regra, vão furar as probabilidades, mesmo sem qualquer revisão do preço oferecido, baixo nos dois casos. A Brisa e a Cimpor, essas, vão ter futuros diferentes. A concessionária vai continuar portuguesa, em nome dos Mello, mas, nos próximos anos, limitada no crescimento por constrangimentos financeiros. A Cimpor já só era portuguesa no nome e na sede, agora vai ser dividida em duas, ou mais, vai ser uma espécie de 'despojos de guerra' de brasileiros em terras portuguesas.